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POR UMA PSICOLOGIA ABERTA.

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Habitualmente, quando pensamos em atendimento psicanalítico, ou quando vemos alguma referência em filmes, somo levados a uma cena um tanto peculiar: o psicanalista sentado logo atrás do paciente que se deita em um divã. Considerando arranjo mobiliário, somos convidados a conceber o encontro psicanalítico. Foi Freud quem fez essa recomendação, justificando que, por vezes, cansava-se do olhar e escrutínio de seus pacientes consulta pós consulta durante um turno movimentado de atendimentos. Assim, distante do campo visual, tanto o paciente poderia ficar à vontade para se lançar em suas associações, quanto o analista poderia se sentir mais à vontade para também se lançar na escuta do que estava sendo narrado. Por muito tempo essa cena se fez e ainda se faz presente, mas cabe ser reconsiderada. Ainda mais, em tempo onde as consultas seguem majoritariamente em modelos online à distância.

Desde que se tornou corriqueiro o uso de vídeochamadas para os atendimentos psicológicos, muitas adaptações tiveram que acontecer. Não apenas no convívio social, nos afazeres diários, mas também no contato com profissional de psicologia, ou psicanalista. O encontro, a terapia se dá, então, extramuros, para além do habitual consultório. Cada um, paciente e terapeuta, buscam um local para poder estar online no horário combinado. Esses podem ser os mais variados, acompanhando a disponibilidade logística e criativa de ambos. Ou se reformula um espaço dentro da própria casa para se tornar um espaço de atendimento, ou se faz a consulta dentro do carro na garagem, ou sentado à mesa em um café, ou até mesmo, em uma praça sob a sombra de uma árvore. Uma realidade que, em outros tempos, seria inconcebível. A questão que trago, portanto, acompanha a formulação de novos arranjos; está colocada no que torna possível o encontro entre paciente e terapeuta. Encontro esse que se apresenta menos pela mobília da sala, ou mesmo do uso de uma sala, e mais pela deveras disposição ao encontro da maneira mais franca e honesta possível. Encontro entre paciente e terapeuta, resguardando o sigilo da troca, a ética do diálogo e a sustentação da abstinência.

Até aqui, pontuei algo de história passada e algo de adaptações inerentes à história presente. Pontuações que nos conduzem a uma abertura. Quem sabe, num primeiro tempo, essa abertura tenha se dado no aspecto arquitetônico, logístico, pragmático. Mas já é tempo,i insisto, de considerar a abertura dos consultórios para toda e qualquer diferença; abertura de olhar e escuta de qualquer que seja a modalidade terapêutica; mas uma abertura que torne também habitual recebermos pessoas cegas, cadeirantes, surdas, ouvintes, negras, trans etc. Que aprendamos a língua de sinais, que tenhamos rampas de acesso e que não tenhamos medo de não sermos captados pela visão. E que, diante da diferença, possamos suportar ser diferente. Abertura, por fim, da capacidade de cada terapeuta a escutar a alteridade.