Um ano que passou. Um ano que passa. Um ano que não vimos. Um ano que não queríamos ter visto. Muitos são os sentimentos e as experiências que ficarão marcadas na história de cada um. Um ano no calendário afetivo que pode valer um tempo ainda difícil de mensurar. Quanto tempo será necessário, no íntimo de cada ser, para elaborar o efeito desses dias? Efeito de trauma. Tempo de luto. Foi um vírus que infectou o universo subjetivo e adoeceu a fantasia. Um vírus que contaminou os sonhos e projetos para o futuro. Um vírus que, de certa forma, arruinou o presente de muitas pessoas. Um vírus que fragmentou o tecido social, forçando a todos o isolamento. Os corpos humanos foram separados pelo medo, pela ameaça, pela insegurança; pela morte.
Apesar dessa atmosfera desanimadora, observamos, ao longo dos dias, através das redes sociais, em caráter ‘online’, a realização de ‘lives’. O presente texto, tem por objetivo, portanto, abordar três pontos: o uso das redes sociais, as ‘lives’ e o ‘online’.
Quem diria que as redes sociais, que já sofreram ataques por isolar as pessoas do convívio social, engolfando-as em um universo virtual, estariam agora sendo exaltadas como o canal necessário para comunicação e aproximação entre as pessoas? Se em outros tempos, ouvia-se críticas quanto ao uso de tablets e smartphones durante encontros familiares, reunião de negócios ou até happy hours, hoje em dia, é através de plataformas virtuais que esses encontros acontecem. As pessoas passaram a se unir virtualmente. As trocas de olhares, sorrisos e afetos, são intermediadas pela tela de um dispositivo eletrônico. E assim, em um ambiente virtual, encontrou-se uma maneira de sustentar as relações. Talvez tenha sido essa a maneira de lidar com o que o mundo lá fora, o mundo real, como dizem, de uma hora para a outra, nos ofereceu. E aqui, nesse contexto aconteceu um aumento considerável de lives.
As lives consistem, basicamente, em uma transmissão ao vivo. Esse modelo de transmissão, por si só, não é novidade. Ainda assim, algo chama a atenção. Pois que se observou um aumento das mesmas em um momento onde o contexto é de anúncio de mortes. Mortes, entre tantas causas, pelo Corona Vírus. Live é um termo estrangeiro ao vocabulário português, mas que logo foi incorporado na vida do cidadão brasileiro. O mesmo significa ‘ao vivo’. Como mencionei acima, as lives são transmissões ao vivo. Fenômeno interessante, que pelo avesso, mostra o quanto há de desejo pela vida; por estar vivo; e mais, por estar, ao vivo.
Dessa forma, conseguimos encontrar uma maneira de lidar com o assombro mortífero que o mundo real nos apresentou. Enquanto a morte rondava as ruas, foi no campo virtual que encontramos vida.
Essa experiência também foi transportada para dentro dos consultórios de psicologia. As consultas tiveram que ser realizadas também através das plataformas de comunicação virtual. Todavia, sempre online, foi possível sustentar o vínculo. As sessões de terapia, poderiam ser lidas como lives entre paciente e terapeuta? Não é pela vida da relação terapêutica que se busca maior aproveitamento da vida?
Trouxe também o termo online, pois este chama a atenção para as ligações. Online também é um termo estrangeiro. Se em português diz respeito à disponibilidade, esse termo tem sua raiz nas ligações a cabo. Tudo que se conecta com um cabo é ou está online. Portanto, por essa raiz, podemos pensar que as experiências virtuais que nos levam à vida, no seu caráter disponível – online -, são o meio que encontramos para manter atado o laço social e o vínculo com os pares.
Um ao que passou, assim como outros anos que passaram e outros que passarão. Um ano que não gostaríamos de ter visto. Um ano que exigiu, de cada um, a capacidade de se reinventar. Um ano que nos convocou. Um ano que passou e que foi atravessado também pela passagem de cada um. O que ficará para o futuro? O que terá ficado depois que esse tempo ficar no passado? Que as lives perdurem e que as redes sociais sejam um campo possível para que os laços se mantenham fortes e os vínculos seguros.