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TALVEZ VOCÊ DEVA CONVERSAR COM ALGUÉM.

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Recentemente li um livro, indicado por uma paciente: “Talvez você deva conversar com alguém”. Através de uma narrativa leve e bem humorada, Lori Gottlieb nos coloca frente a frente com dramas densos, que sem sua leveza seriam bem menos palatáveis.  A autora, que além de jornalista e psiquiatra é uma dedicada terapeuta, percorre os processos de psicoterapia de alguns dos seus pacientes, ao mesmo tempo em que vive e compartilha os seus conflitos e o seu tratamento pessoal com o leitor. Essa obra, além de nos apresentar histórias fortes e comoventes, lança luz sobre outra questão: a pessoa real do analista ou terapeuta. Quem é esse, que senta a minha frente e me escuta semana após semana, a quem conheço tão pouco para além das sessões de terapia?

Acompanhando sua rotina no consultório, conhecemos algumas personagens muito interessantes: a senhora Rita, de quase 70 anos, que não se permitia ser feliz por uma culpa tremenda por ter decepcionado os filhos; Julie, uma jovem com uma doença terminal lutando pela aceitação da morte; John, um sujeito narcisista e arrogante que escondia por trás dessa carapaça uma gigantesca fragilidade, entre outras. A cada capítulo os conhecemos um pouco mais, nos aprofundamos na história de cada um e, assim como em uma psicoterapia, aos poucos vemos as resistências se esmorecerem e testemunhamos o surgimento do vínculo e da confiança, que possibilitam o advir dos traumas, das questões mais íntimas e profundas. É o contato com estas que permite que cada um deles possa encarar os seus fantasmas e, a partir disso, realizar mudanças significativas.

Ao longo da obra, os dramas dos pacientes se entrelaçam com questões dela, despertando afetos, lembranças e desencadeando mudanças em ambos os participantes da dupla. Enquanto se debruça sobre os conflitos nos quais cada um daqueles sujeitos está imerso, ela enfrenta suas próprias batalhas: término de um relacionamento, questões da maternidade, relação com a morte, inseguranças.

Penso que o livro nos oferece uma espécie de buraco na fechadura através do qual podemos espiar o que se passa tanto na vida da terapeuta para além da sala do consultório, quanto o que ocorre nas sessões de terapia; diálogos e afetos tão íntimos, protegidos pelo sigilo, mas que nesse livro nos são presenteados de forma muito cuidadosa e construtiva.

Como psicóloga e paciente – afinal, os terapeutas também fazem terapia – e alternando entre esses dois lugares, pude aproveitar essa obra literária sob diversos aspectos: por vezes me identificando com os pacientes e com a protagonista, mas também tendo a oportunidade de assistir de camarote a atuação e aprender com o trabalho dessas personagens terapeutas – Lori e Wendell (o analista dela), que trabalham de forma tão ética e sensível.

“Talvez você deva conversar com alguém” me parece ser a melhor dica que alguém pode receber. Conversar com alguém abre portas muitas vezes desconhecidas para lugares inimagináveis até então. Ao menos essas foram as experiências de Rita, Julie, John, da Lori, minha e de tantas outras pessoas que já passaram ou ainda passam pela experiência desse encontro.